[bom]
Título: A arte do descaso
Autora: Cristina Tardáguila
Editora: Intrínseca
Sinopse:
O
livro, baseado em fatos reais, relata o maior roubo de arte no Brasil. O
assalto ocorreu em pleno carnaval, no Museu da Chácara do Céu, localizado no
Rio de Janeiro, no qual trabalhos de artistas renomados como Salvador Dalí,
Picasso, Monet e Matisse foram perdidos. A autora investiga e revela o despreparo
da polícia e de outras autoridades, os erros cometidos, a falta de
insfraestrutura, e outras situações que deixaram esse crime impune. Além disso,
relata casos internacionais traçando um comparativo, revelando a eficiência de
outros países diante de situações semelhantes.
Meu cantinho:
Antes de começar a falar do livro preciso fazer duas observações: a primeira sobre a foto, espero que tenham gostado! Os desenhos ao fundo são meus e tentarei fazer algumas fotos diferentes de agora em diante. A segunda observação é: eu voltei! Depois de mais de um ano (literalmente) sem fazer postagem aqui no blog - faculdade, trabalhos, serviço, estudo, preguiça - estou aqui perto do fim do ano para fazer a primeira postagem do ano! Vou tentar escrever por aqui de tempos em tempo e não esperar o fim de 2017 chegar para aparecer aqui novamente. Agora vamos ao livro!
A arte do descaso é um livro reportagem da
jornalista Cristina Tardáguila que investiga o que de acordo com o FBI é o
maior roubo de arte do Brasil, que está entre os dez maiores do mundo. O
interesse da autora pelo tema ocorreu quando ela percebeu que após cinco anos
decorrido o crime, ele foi esquecido pelas mídias e pelas autoridades, sem
qualquer solução, apesar de sua gravidade em escala mundial.
Para as pessoas que amam arte e entendem a
importância dela para a cultura e história da humanidade, esse livro é triste,
porém essencial. Para aqueles que não conhecem ou apreciam arte, mas reconhecem
nomes como Salvador Dalí, Picasso, Monet e Matisse, é preciso ler o livro para
reconhecer o descaso do Brasil com o trabalho desses artistas mundialmente conhecidos.
Já para as pessoas que não se importam com arte, cultura, história, e nunca
sequer escutaram falar de Picasso, entendam que mais de 10 milhões de dólares
(valor correspondente ao ano de 2006), foram facilmente arrancados de um museu
e pouco se fez para reavê-lo.
A autora começa o livro narrando o assalto
ocorrido em pleno carnaval, no Museu da Chácara do Céu, no bairro de Santa
Teresa, no Rio de Janeiro. A cena do crime é reconstituída por Cristina com
base em informações retiradas do inquérito policial registrado, procurando
recriar a cena com a maior imparcialidade possível. O relato conta que na tarde
do dia 24 de fevereiro de 2006, quatro homens armados entram no museu, rendem
os seguranças e os visitantes, fazendo um total de nove reféns. Eles desligam
as câmeras e o sistema de vigilância, e em meia hora fogem com cinco obras de
arte de grande valor, importância, e que não eram cobertas por um seguro.
As peças eram um óleo sobre tela Marine,
de Monet, valendo mais de 2 milhões na época do roubo; a tela Le jardin
du Luxembourg de Matisse, avaliado em mais de 3 milhões de dólares; o
óleo sobre madeira Les deux balcons de Salvador Dalí, avaliado
também em mais de 3 milhões; a pintura a óleo La danse de
Picasso, que valia 2 milhões de dólares quando roubada; e a última obra foi o
livro de gravura Toros que reunia quinze pranchas de
ilustrações do Picasso, mas que não foi roubado na íntegra, já que parte do
trabalho estava em restauração, por isso seu valor no mercado está próximo a
zero. Para aqueles que não conhecem as peças, a autora descreve seu tamanho,
peso, cores, quando foram produzidas, citando um breve histórico do autor, seu
valor, suas peculiaridades, além de outras considerações como a relevância
daquele trabalho para o Brasil e para o mundo, e como elas foram parar no
museu. Cristina também ilustra seu livro com foto dos museus e das obras que
foram levadas.
Após relatar a cena do crime, a escritora começa
a descrever seus desdobramentos com base em relatos e entrevistas de
testemunhas, nos quais a demora, falta de conhecimento, capacitação e esforço
das autoridades são evidentes, destacando a falta de estrutura do poder público
para situações como essa. Os erros da polícia têm início na demora para chegar
ao local do ocorrido, assim como a não interdição do espaço que permitiu a
livre circulação de pessoas no local, comprometendo a cena do crime. Quando a
polícia tenta informar outras instituições que tenham controle sobre as
possíveis rotas de fuga aéreas e terrestres, as informações encaminhadas são
vagas e não são atualizadas posteriormente. Nem todos os reféns foram
ouvidos, muitos eram turistas estrangeiros, e não havia ninguém capaz de se
comunicar em inglês, e nenhuma instrução foi passada. Dos quatro assaltantes
apenas dois tem retrato falado, e a polícia não sabe explicar porque não foram
feitos retratos dos outros dois. Com o passar do tempo os erros continuam,
escutas que não são autorizadas e não são gravadas, falta de esforço para
localizar possíveis suspeitos, erros que levam a polícia a ficar sem linhas de
investigação, burocracias, falta de empenho, e o prazo de prescrição cada vez
mais próximo.
Conforme demonstra a autora, os crimes de roubo
de arte são os mais lucrativos do mundo, perdendo apenas para o tráfico de
drogas e armas. Apesar disso, pouco se faz aqui no Brasil, assim como em outros
lugares, para mudar essa situação, já que há pouca comoção popular sobre o
assunto e muitos consideram arte algo supérfluo e dispensável. Além disso,
poucos casos são julgados e as penas são relativamente brandas. Com tudo o que
é apontado no decorrer da leitura, e se baseando em experiências positivas de
outros países, percebemos que é necessário, em primeiro lugar uma ação efetiva
e a vontade do governo de mudar esse cenário. É preciso criar órgãos
especializados, que trabalhem em rede, que sejam capacitados com conhecimentos
mínimos na área, que haja uma catalogação do acervo existente no país, que a
segurança seja proporcional ao seu valor histórico e cultural, e que a opinião
pública defenda essa causa.
Cristina Tardáguila fez um grande trabalho de
coleta de informações, detalhamento, e contextualização. Diferente da polícia
ela falou com todas as pessoas presente durante o ocorrido, escutou a polícia
federal, peritos, jornalistas, críticos de arte, especialistas em segurança do
museu, servidores públicos, entre outras fontes. Ela fez ligações entre
possíveis suspeitos que a própria polícia não fez, avaliou as informações
disponíveis cuidadosamente, percebeu as falhas cometidas pelas autoridades
assim como possíveis linhas de investigação. Sempre que faz referências a
pesquisas ou estudos, ela cita diretamente a fonte e onde podemos encontrar
aqueles dados mais detalhados. Quando realiza entrevistas ela sempre
contextualiza o personagem, falando se sua formações, história, possível
envolvimentos, momentos em que os entrevistou, suas expressões faciais e
sentimentos que pareciam exprimir. Dessa forma, foi possível perceber o esforço
da escritora para relatar com fidelidade o caso. Contudo, como uma jornalista,
que deveria procurar analisar os fatos com imparcialidade e evitar um
envolvimento pessoal com o tema pesquisado, a autora revela em diversas
passagens situações que percebo como uma obsessão pelo tema.
Por exemplo, Cristina relata que construiu uma
maqueta em casa do Museu, para visualizar melhor os acontecimentos e construir
hipóteses dos desdobramentos que não foi possível através dos relatos ou
perícia. Quando saía com amigos seu assunto preferido era o crime, e quando
alguém sugeria algo que ela não havia pensado, ela se sentava diante da maquete
para testar as possibilidades. Além disso, ela conta que eram recorrentes os
sonhos com o assalto, seja no papel de testemunha ou finalmente descobrindo
onde as obras estavam. Em determinados momentos, quando parece estar próxima de
alguma evidência, mas não consegue de fato alcançá-las, a jornalista faz
conjecturas que parecem imparciais.
É compreensível que ao passar mais de dois anos
apurando, fortemente envolvida nesse acontecimento, seja difícil de afastar
emocionalmente e manter a imparcialidade. A questão é que seu trabalho como um
livro reportagem fica comprometido diante desses fatos. A própria autora, em
seus últimos capítulos, diz que chega um momento em que precisa voltar ao seu papel
de jornalista, abandonar o “apego emocional”, o “turbilhão de emoções” assim
como a “memória das horas dedicadas à investigação” e enfim estruturar sua
reportagem.
Outro fato que me incomodou bastante foi o modo
como esse livro foi apresentado ao público. Meu primeiro contato com essa obra
foi através de resenhas publicadas na internet. Em quase todas, inclusive no
título, era ressaltado que Cristina solucionou o maior crime de roubo de obras
de artes do país, que enfrentou diversas situações de riscos assim como viajou
para o exterior seguindo possíveis pistas da localização das peças roubadas.
Todas essas afirmações são falsas, e quem as escreveu obviamente não leu o
livro.
Cristina encerra seu livro com um apelo, falando
que era seu desejo solucionar o caso, mas que esse não foi possível, mas que
ainda há tempo, pois o crime não prescreveu. Para tanto, seria necessária uma
ação por parte do governo, e acredito que com sua fala e outras situações
narradas no livro, a pressão popular é de fundamental importância para que as
engrenagens se movam. Portanto, ela não solucionou o maior roubo de arte do
país, mas gostaria que seu trabalho levasse a isso. Sobre as situações de
riscos, elas são quase inexistentes. Seu trabalho de apuração envolve poucas
situações perigosas, o que inclusive leva o leitor a certa monotonia na leitura
nos primeiros capítulos. Acredito que a situação de risco em questão foi seu
encontro com um homem acusando anteriormente de participação em outro crime,
que aconteceu no mesmo museu, onde uma mesma tela foi roubada anteriormente (e
na ocasião recuperada). Ela vai encontrar esse homem, em companhia de outro
jornalista, em uma igreja que ele agora frequenta. Não descarto que a situação
poderia ter sido perigosa, mas quando lemos a cena sem qualquer tensão ou
perigo aparente, as “diversas situações de riscos” não parecem condizentes. Por
fim, ressalto que a autora não viajou em momento algum atrás de qualquer pista
do paradeiro das obras roubadas, ele viaja para participar de encontros, conversar
com especialistas, conhecedores ou órgãos que trabalhem com roubo de arte.
Referente ao trabalho estético do livro, a
Editora Intrínseca está de parabéns com outro trabalho de grande qualidade. Com
sua capa vermelha e detalhes em dourado na capa, o livro segue todo um padrão
em dourado nos detalhes internos, como divisões de capítulos, numeração de
página e letras capitulares que demonstra certo requinte que condiz com o tema
abordado. A fonte, o espaçamento, a coloração da página e o trabalho de revisão
foram adequados, possibilitando uma leitura agradável. O único problema
detectado nesse aspecto foi que infelizmente o meu exemplar teve sua capa
descolada do miolo, algo raro nos livros da Intrínseca, mas que aconteceu.
Resumindo, alguns erros no acabamento, certa
lentidão na narrativa, e sem nada muito “emocionante”. Contudo, é um livro
interessante para que tenhamos conhecimento da realidade que nos cerca, e do
descaso que a arte enfrenta no nosso país e no mundo. A autora em diversos
momentos faz referência a casos ocorrido no Brasil assim como em outros países,
o que nos faz perceber como a situação geral é precária. Ela relata casos
famosos bem sucedidos como O Grito de Edvar Munch, e outros tristes onde peças
raras são destruídas para encobrir o crime. A autora demonstra que o poder
público precisa agir e a opinião pública precisa de manifestar. Mais de 10
milhões de dólares foram levados de um museu, talvez as obras tenham sido
queimadas, um segurança viu um Picasso ser derrubado e rasgado, o mundo perde
um pedaço da história, mas ainda há tempo.
Volume único.